Por detrás do último ato da ciência-espetáculo:as células-tronco embrionárias
Gallian, Dante Marcelo claramonte,por detrás do último ato da ciência espetáculo: as células tronco embrionárias, ESTUDOS AVANÇADOS 19 (55), 200 (p.253 a 260)
“É quase impossível não associar todo este fenômeno de marketing científico com a frase cunhada pelo médico e historiador Gregorio Marañón, que, já na primeira metade do século passado – 1946 – denunciava um certo “costume” pertinaz de seu tempo: “a superstição dos conhecimentos de última hora”. (p.253)
“Frente a isto, Marañón defendia o desenvolvimento de uma crítica ao modelo dogmático da medicina, fundamentada, por um lado, no reconhecimento da falácia do dogmatismo científico – o cientificismo – e, por outro, no reconhecimento da profunda complexidade dos fenômenos deste mundo, que requerem a participação de outros saberes, de maneira coerente e séria.” (p.254)
“As “profecias” emitidas pelos adeptos do novo dogma genômico parecem ter contaminado e convertido não só o público leigo, sempre esperançoso diante dos anúncios panacêuticos da medicina moderna, como também os sagazes capitalistas, que investiram milhões no projeto revolucionário. Depois de uma carreira espetacular entre duas empresas norte-americanas – uma pública e outra privada – acompanhada quase que diariamente por milhares de espectadores on line, num clima de verdadeiro show da ciência, o resultado chegou não como êxtase, mas como um balde de água fria. Não porque não se tenha conseguido realizar o feito do seqüenciamento, mas simplesmente porque o feito não se fez milagre; ou seja, o mapeamento do genoma humano não trouxe, nestes últimos anos, nenhuma conseqüência imediata para a medicina aplicada: nenhum remédio, nenhuma terapia revolucionária capaz de salvar vidas, recuperar doentes incuráveis, fazer andar paralíticos etc. Nada, pelo menos nos próximos anos ou décadas...” (p.254)
“Unanimemente, os cientistas que pesquisam ou reivindicam a liberdade de pesquisar com células-tronco embrionárias, reconhecem as “grandes dificuldades técnicas” que têm se apresentado no processo de investigação. Ao contrário do que vem ocorrendo com as células-tronco adultas, as experiências com células-tronco embrionárias não produziram nenhum êxito terapêutico reconhecido, sequer em animais. Pelo contrário, estudos importantes vêm demonstrando que a utilização de células-tronco embrionárias em experimentos terapêuticos têm causado tumores em animais, levando a crer que o mesmo deva ocorrer se administrado em seres humanos.” (p.255)
“Segundo Natalia López Mortalla, catedrática de bioquímica da Universidade de Navarra, Espanha, “a tecnologia da clonagem é extremamente ineficaz e, no caso dos primatas, de mil tentativas realizadas (mil óvulos), não se conseguiu nenhum verdadeiro embrião” (p.255)
“Também em relação às células-tronco extraídas de embriões “produzidos” por reprodução assistida e que se encontram congelados, o argumento de que tais indivíduos seriam virtualmente incapazes de se desenvolverem, mas úteis do ponto de vista terapêutico, não encontra sustentação adequada” (p.256)
“não há nada que justifique este clima de euforia que tem se procurado disseminar em nosso país, principalmente através dos mass media e que atingiu seu clímax recentemente com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da lei de biossegurança, que autoriza as pesquisas com células-tronco extraídas de embriões humanos. Ao contrário do que vem ocorrendo com as pesquisas e experiências com células-tronco adultas, as perspectivas a curto e médio prazos são muito pouco promissoras” (p.256)
“Sem dúvida, a liberdade para pesquisar é um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento da ciência, entretanto, de acordo com os valores essenciais da sociedade livre e democrática, ao exercício da liberdade se associam não só direitos mas também deveres. A ciência é livre para pesquisar, mas deve sempre respeitar, promover e nunca prejudicar a vida.” (p.257)
“Entretanto, o próprio avanço da ciência nas últimas décadas, principalmente no referente ao campo da genética e da medicina reprodutiva, tem apontado, indiscutivelmente, para uma visão cada vez mais genética e personalista da vida humana. Ou seja, nunca como antes, temos tantas razões para afirmar – razões estas fornecidas pela própria ciência – que a vida humana tem origem no momento da fecundação, da união do espermatozóide com o óvulo.” (p.257)
“reivindicar a liberdade da pesquisa com células-tronco extraídas de embriões humanos – mesmo no estágio blastocístico – em nome do “progresso da ciência”, apresenta-se, ao meu ver, como um argumento simplista e dogmático. Identifica-se aqui, mais uma vez, a reedição da perspectiva dogmática da ciência, tal como diagnosticou Marañón há mais de cinqüenta anos. Por detrás de todo este “espetáculo”, certamente não está o “velho embate entre as luzes da ciência e as trevas da religião”, mas sim o posicionamento ideológico do cientificismo que, tomando como fundamento uma concepção meramente tecnicista e pragmática de ciência e apoiada por uma leitura oportunista da filosofia, procura justificar o “avanço da ciência” pelo bem dela mesma” (p.258)
“Não tanto porque pareça amarga demais, mas talvez porque simplesmente exija, necessariamente, que o “paciente” pare, pense, reflita, enfim, que faça um “certo repouso” reflexivo. E isso é algo que o espírito do nosso tempo não permite. Não podemos parar; a ciência não pode parar. Afinal o tempo é escasso, o tempo é...
Enquanto isso, a quantos outros novos atos de ciência-espetáculo teremos que assistir?”(p.258)
Fonte: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v19n55/17.pdf
Fonte: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v19n55/17.pdf
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