Manipulando genes em busca de cura: o futuro da terapia gênica
MENCK, C.F.M., VENTURA, A.M.. Manipulando genes em busca de cura: o futuro da terapia gênica. REVISTA USP, São Paulo, n.75, p. 50-61, setembro/novembro 2007.
“durante a década de 1990, a se comparar a terapia gênica com outras tecnologias que revolucionaram a medicina moderna, como o desenvolvimento de vacinas, anestesias e a descoberta de antibióticos. A relativa facilidade de manipulação dos vetores genéticos derivados de vírus e o aumento na capacidade de se isolar genes humanos geraram expectativas de avanço rápido nesse tipo de terapia e muita excitação na mídia e mesmo nas pesquisas na área.” (p.52)
“uma polêmica sobre a segurança da engenharia genética e possibilidades de sua utilização para propósitos de eugenia. Esse debate estendeu-se durante toda a década de 1970 e culminou na criação de legislações adequadas de segurança em diversos países.” (p.52)
“A idéia de usar os próprios vírus como veículos para transportar e introduzir genes em um paciente, promovendo a cura de doenças, é de uma simplicidade extraordinária e abre enormes perspectivas para a saúde humana.” (p.53)
“O desenvolvimento de novos vetores genéticos tem buscado superar os problemas encontrados nos trabalhos iniciais de terapia gênica. O vetor ideal deve ser de fácil produção, não deve gerar resposta imunológica ao vírus ou ao transgene pelo paciente, deve promover a expressão do transgene de modo eficiente e por longo tempo, além de, se possível, ter especificidade no tecido alvo. Os principais vetores testados até o momento têm sido os derivados de adenovírus e retrovírus, sendo que ambos apresentam várias limitações.”(p.54)
“Pelo menos em um caso o resultado foi dramático: em 1999, a aplicação de grandes quantidades de adenovírus recombinantes provocou a morte de um jovem paciente, gerando enorme controvérsia sobre o uso de terapia gênica em seres humanos.” (p.54)
“Sistemas de transferência gênica independentes de vírus têm sido desenvolvidos como alternativas aos problemas causados pelos vírus recombinantes. Em uma dessas abordagens, o transgene, na forma de DNA livre, é aplicado diretamente no paciente. Essas vacinas de DNA são compostas pela clonagem do gene de um antígeno proveniente de um patógeno, em um plasmídeo bacteriano.” (p.54)
“No caso das vacinas de DNA, no entanto, descobriu-se que algumas delas, além de despertar uma resposta imune que protege o indivíduo contra uma infecção futura (prevenção), podem também atenuar a sintomatologia de uma infecção em andamento, atuando como uma vacina terapêutica. Um exemplo é a ação que uma vacina de DNA, composta por um antígeno da bactéria que causa a tuberculose, tem ao combater a infecção ativa em camundongos. Como se trata da transferência de um gene novo para um tecido causando benefício terapêutico, é mais uma estratégia de terapia gênica que está prestes a ser testada em seres humanos, e com grande possibilidade de sucesso.”(p.54)
“De uma forma genérica, as etapas envolvidas em um experimento de terapia gênica são: o isolamento do gene, a construção de um vetor, a transferência para células no tecido-alvo, e a produção da proteína codificada e expressa pelo gene terapêutico nessas células.”(p.55)
“Para introdução de genes em organismos através de terapia gênica, duas estratégias básicas podem ser utilizadas: in vivo e ex vivo. Na estratégia in vivo, vetores eficientes (como os adenovírus) podem levar o transgene diretamente ao órgão-alvo adequado (como o fígado) por aplicação direta no organismo (como a injeção endovenosa), levando à eficiente expressão do transgene. A estratégia ex vivobaseia-se na modificação de células (como pela infecção por um vetor retroviral) de um tecido-alvo (como os linfócitos), retiradas de um paciente e cultivadas in vitro”(p.55)
“Doenças genéticas adquiridas durante a vida, como o câncer, doenças do coração e infecções virais (Aids, por exemplo), no entanto, também são alvos para protocolos de terapia gênica. A idéia nesses casos é basicamente introduzir genes que possam interferir no metabolismo da célula cancerosa, bloquear a replicação viral ou simplesmente estimular o sistema de defesa imunológico, propiciando um benefício terapêutico ao paciente. Esses protocolos de terapia gênica para doenças genéticas adquiridas têm sido muito estudados dada a clara relevância que sucessos podem ter em saúde humana.”(p.56)
“As doenças cardiovasculares, como doenças cardíacas isquêmicas, isquemia de membros, neuropatia isquêmica ou diabética, podem ser tratadas pelo estímulo à neovascularização, que leva à normalização da circulação sanguínea local. Uma estratégia de terapia gênica em especial, em que o gene do fator de crescimento de endotélio vascular é aplicado localmente, teve efeitos clínicos positivos.” (p.56)
“As doenças infecciosas, dependendo do agente patogênico, podem ser vistas como doenças genéticas adquiridas, conceito mais fácil de ser entendido quando se trata de infecções virais. Esses microorganismos desenvolveram a habilidade de inserir seus genomas no interior de células do organismo hospedeiro, e nelas multiplicarem-se. Nesse processo ocorrem patologias devido à destruição dos tecidos e à reação do organismo.”(p.57)
“o processo celular de interferência de RNA, ou RNAi, tem provocado uma verdadeira corrida de empresas farmacêuticas para estudar suas propriedades farmacológicas. Esse fato foi impulsionado pela facilidade de fabricação dessas moléculas, aliado às possibilidades de uso in vivo.”(p.57)
“A descoberta do mecanismo de RNAi mudou completamente a forma como entendemos o metabolismo de controle genético na célula humana, e também propiciou uma ferramenta poderosa para inibir genes específicos e assim determinar sua função na célula.”(p.58)
“Apesar de a descoberta do mecanismo de RNAi datar de pouco mais de 6 anos, rapidamente se demonstrou que vetores virais ou pequenas moléculas de siRNA podem atuar in vivo. Atualmente já foram publicados mais de 100 artigos científicos relatando o funcionamento de RNAi diretamente com experimentos em animais, alguns cujo gene-alvo do silenciamento pode trazer benefícios terapêuticos.”(p.59)
“Resultados promissores, e surpreendentes, também têm sido obtidos com a aplicação de moléculas de siRNA através de inalação com administração intranasal, tendo como alvo doenças respiratórias. Esses estudos têm se mostrado eficientes na inibição de vírus que agridem o sistema respiratório, tais como o vírus respiratório sincicial (RSV, que já está sendo testado em protocolo clínico em fase I) e mesmo o vírus influenza H5N1, que provoca a temida gripe aviária.”(p.60)
“Os avanços recentes estão sem dúvida fazendo renascer as perspectivas que eram esperadas anteriormente, mas os sucessos devem ser observados com otimismo cauteloso, e ainda requerem intenso trabalho de pesquisa. Temos convicção de que o empenho da comunidade acadêmica, que estamos testemunhando, trará mais aplicações bem-sucedidas da terapia gênica e que esta deve se firmar como importante ferramenta na prática clínica de um futuro relativamente próximo.”(p.61)
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