A propósito da utilização de células-tronco embrionárias
MARCO SEGRE, A próposito da utilização de células tronco embrionárias, ESTUDOS AVANÇADOS 18 (51), 2004 (p.257 a 262)
“A discussão ética quanto à utilização de células-tronco de pré-embriões produzidos mediante reprodução assistida, seja pela fertilização in vitro, ou com as técnicas emergentes de clonagem (clonagem terapêutica), passa inevitavelmente pela delimitação do instante no qual quisermos atribuir a um conjunto de células o respeito devido à vida. A retirada de células-tronco produz a morte desse “conjunto de células”: daí, fulcro das polêmicas, é quanto a podermos produzir esses pré-embriões com o fim específico, não de gerarmos novos seres humanos, mas sim de fabricarmos “remédios” contra patologias graves,como a doença de Alzheimer, o síndrome de Parkinson, leucemias etc.” (p.257)
“A sempre renovada discussão referente ao momento no qual o embrião humano passa a “merecer” respeito à sua vida e integridade, apenas comprova a aleatoriedade e o caráter pragmático da caracterização do início da vida. Esta observação encontra esteio, por semelhança, na recente mudança do conceito de morte, quando a morte encefálica, por motivação essencialmente utilitária, foi identificada com morte.” (p.257)
“há que se encontrar uma forma, que a lei avalize, de se poderem descartar embriões. E, para que isso possa ocorrer, será necessário que se modifique o conceito de momento de início da vida, uma vez que, na maioria dos países, o direito à vida é cláusula pétrea das Constituições (exceção seja feita, conforme já se referiu, aos países em que, embora se reconheça como momento de início da vida a fecundação, permite-se a prática do aborto).” (p.258)
“o caráter retrógrado de conceituações e leis existentes, a menos que se deseje, como ocorre no conto “O aprendiz de feiticeiro” – no caso específico da reprodução assistida – que o homem, tendo o poder de replicar embriões ao seu talante, não os possa destruir, quando eles não fossem ser aproveitados, tornando-se, portanto, vítima de seu “feitiço”.(p.258)
“Essas considerações tem a finalidade de trazer à tona o autoritarismo obscurantista de setores que, sob o disfarce da religião, obstaculizam o avanço científico, corrompendo a meta de se obter uma qualidade de vida melhor para o maior número possível de pessoas” ( p.259)
“Fará sentido, no plano moral, abrir tanta polêmica sobre a possível licitude da clonagem, recalcando, ou – pior –menosprezando as tragédias dos extermínios, os sofrimentos sem fim nos regimes autoritários, as iniqüidades sociais aterradoras e as discriminações implicadas por políticas eugênicas racistas?” (p.259)
“Tratando-se de um horizonte novo, que se descortina, são dificilmente previsíveis as virtuais aplicações dessa e de qualquer nova técnica. Quando, de acordo com a lenda grega, Prometeu “roubou” (produziu) o fogo, ele certamente não tinha a perspectiva da sua extraordinária descoberta, nodal para a história da Humanidade. Por analogia, pode-se razoavelmente perguntar: serão os clones humanos produzidos tão-somente para a replicação genética de pessoas, atendendo ao desejo (compreensível) de sujeitos isolados ou de casais estéreis? Provavelmente não. Tratar-se-ia, então, da tentativa de o Homem alcançar a imortalidade? Pode-se considerar essa expectativa vã, uma vez que a identidade genética não é determinante da personalidade (como muito bem se vê nos gêmeos univitelinos) e, mais radicalmente, a repetição genética nada tem que ver com a continuação da subjetividade.” (p.259-260)
“Ademais, havendo vida, a partir de que momento e/ou sob quais condições consideramos a existência de um sujeito, a quem atribuiremos direitos? Tendo em conta a legitimidade prima facie de construirmos nosso futuro e desestigmatizando sentimentos morais incrustados em nossa cultura, não poderíamos pensar na construção de clones sem estruturas nervosas (que não podem, portanto, sofrer, evitando assim eventuais objeções sencientocêntricas) que, por semelhança, compararíamos a corpos em estado de morte encefálica, e que certamente não consideramos pessoas e sim “banco de órgãos”? Em suma, cabe reiterar que certamente não serão as técnicas em si que nos levarão a um “inferno ético”, supostamente implicado pela vigência do imperativo tecnológico e o correspondente niilismo dos valores. Por isso, consideramos que não devemos aprioristicamente temê-las, e sim monitorar cuidadosamente a sua aplicação.” (p.260)
“Os progressos científicos serão aceitos ou recusados segundo os já mencionados fatores culturais, e/ou religiosos. De forma tão democrática quanto possível. Mas também entendemos ser nosso papel, na bioética, o de expor e defender posições que consideramos importantes para a vida e a saúde humana.” (p.261)
Ei, Lívia, adorei este fichamento.
ResponderExcluirTema gostoso de ler.
^^ Obg Prof!
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